Sendo apaixonada pelos livros de Isabel Allende, vejo nela e
em Márquez o que deve ser essencial em um escritor: a excelência em contar uma
boa história, de maneira simples e instigante, quase parecendo uma conversa.
Ambos souberam transformar a trajetória de suas famílias em grandes obras.
Em “Viver para Contar” é possível conhecer os avós do
colombiano, coronel Nicolás Ricardo Márquez e Tranquilina Iguarán, e ver neles
traços característicos dos personagens de “Cem Anos de Solidão”. A história da
autobiografia do escritor começa quando sua mãe, Luisa Santiaga, pede que ele a
acompanhe até Aracataca para vender a casa da família.
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Créditos: Revista Fórum |
Em cidades da Colômbia, o leitor acompanha a infância pobre
do escritor, inicialmente na casa de seus avós e depois nas inúmeras
residências de seus pais, que tiveram ao todo 11 filhos. O pai de Gabito, como
era chamado pela família, sonhava em ver o filho graduado em uma universidade,
mas o sonho de escritor falou mais alto e causou o abandono dos estudos em
Direito.
Dois aspectos são comuns a outras obras da literatura
latino-americana de países de colonização espanhola: a sensualidade, com os
episódios em noites de festas em prostíbulos e inúmeros casos amorosos intensos,
e a mistura de raças, especialmente entre índios e espanhóis.
É muito interessante acompanhar a paixão sem limites de
Gabito pelos livros, como os de Faulkner, e sua dificuldade em finalizar seu
primeiro romance. Com um grupo de amigos especialistas em literatura e outras
artes, o escritor é criticado e se mostra ele próprio um crítico ferrenho de
seus primeiros textos, que surgiram na forma de contos para revistas.
Como jornalista, talvez o que me tenha chamado mais atenção,
foi acompanhar a chegada da paixão pelas reportagens e pelo trabalho nas
redações. Márquez conta como começou sua carreira na profissão, inicialmente em
espaços editoriais e depois com as grandes reportagens, umas delas com 20
capítulos sobre a história de um naufrágo, que mais tarde foi organizada na
forma de livro.
Ele conta histórias de um tempo em que o jornalismo era mais
arte e instinto do que técnica e números. Ainda dá uma dica que todos acabam
descobrindo no desenrolar da profissão: “Até hoje sabemos que os gravadores são
muito úteis para recordar, mas não se deve descuidar nunca da cara do
entrevistado, que pode dizer muito mais que a sua voz, e às vezes o contrário
do que está dizendo.”
Para quem trabalha no jornalismo digital, em que muitas
vezes as entrevistas são feitas por telefone, sente-se a falta do contato
pessoal com a fonte.
A história política da Colômbia também pode ser acompanhada
pelo livro. Após uma briga de anos entre conservadores e liberais, o poder acaba
tomado pelos militares. Independente de quem estava à frente do país, este
vivia sob pressão contínua, com violência e tensão que acabaram causando a
viagem de Gabito para a Europa, episódio final do livro.
Infelizmente, Gabriel García Márquez está senil e não
voltará a escrever, mas foi devidamente reconhecido ainda em vida pela sua
obra, que permanecerá na estante de clássicos da literatura mundial.
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