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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Márquez viveu e contou, como poucos, uma boa história

Durante a faculdade, li “Memória de Minhas Putas Tristes”, mas foi com a obra-prima “Cem Anos de Solidão”, em 2010, que fiquei encantada com a literatura do colombiano Gabriel García Márquez. Em dezembro do ano passado, achei a autobiografia dos anos de sua infância e juventude, chamada “Viver para Contar” (2002), no sebo por R$ 30 e comemorei minha boa aquisição.

Sendo apaixonada pelos livros de Isabel Allende, vejo nela e em Márquez o que deve ser essencial em um escritor: a excelência em contar uma boa história, de maneira simples e instigante, quase parecendo uma conversa. Ambos souberam transformar a trajetória de suas famílias em grandes obras.

Em “Viver para Contar” é possível conhecer os avós do colombiano, coronel Nicolás Ricardo Márquez e Tranquilina Iguarán, e ver neles traços característicos dos personagens de “Cem Anos de Solidão”. A história da autobiografia do escritor começa quando sua mãe, Luisa Santiaga, pede que ele a acompanhe até Aracataca para vender a casa da família.

Créditos: Revista Fórum
Em cidades da Colômbia, o leitor acompanha a infância pobre do escritor, inicialmente na casa de seus avós e depois nas inúmeras residências de seus pais, que tiveram ao todo 11 filhos. O pai de Gabito, como era chamado pela família, sonhava em ver o filho graduado em uma universidade, mas o sonho de escritor falou mais alto e causou o abandono dos estudos em Direito.

Dois aspectos são comuns a outras obras da literatura latino-americana de países de colonização espanhola: a sensualidade, com os episódios em noites de festas em prostíbulos e inúmeros casos amorosos intensos, e a mistura de raças, especialmente entre índios e espanhóis.

É muito interessante acompanhar a paixão sem limites de Gabito pelos livros, como os de Faulkner, e sua dificuldade em finalizar seu primeiro romance. Com um grupo de amigos especialistas em literatura e outras artes, o escritor é criticado e se mostra ele próprio um crítico ferrenho de seus primeiros textos, que surgiram na forma de contos para revistas.

Como jornalista, talvez o que me tenha chamado mais atenção, foi acompanhar a chegada da paixão pelas reportagens e pelo trabalho nas redações. Márquez conta como começou sua carreira na profissão, inicialmente em espaços editoriais e depois com as grandes reportagens, umas delas com 20 capítulos sobre a história de um naufrágo, que mais tarde foi organizada na forma de livro.

Ele conta histórias de um tempo em que o jornalismo era mais arte e instinto do que técnica e números. Ainda dá uma dica que todos acabam descobrindo no desenrolar da profissão: “Até hoje sabemos que os gravadores são muito úteis para recordar, mas não se deve descuidar nunca da cara do entrevistado, que pode dizer muito mais que a sua voz, e às vezes o contrário do que está dizendo.”

Para quem trabalha no jornalismo digital, em que muitas vezes as entrevistas são feitas por telefone, sente-se a falta do contato pessoal com a fonte.

A história política da Colômbia também pode ser acompanhada pelo livro. Após uma briga de anos entre conservadores e liberais, o poder acaba tomado pelos militares. Independente de quem estava à frente do país, este vivia sob pressão contínua, com violência e tensão que acabaram causando a viagem de Gabito para a Europa, episódio final do livro.

Infelizmente, Gabriel García Márquez está senil e não voltará a escrever, mas foi devidamente reconhecido ainda em vida pela sua obra, que permanecerá na estante de clássicos da literatura mundial. 

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